sábado, 24 de setembro de 2011

o rapaz com o casaco de metal — capítulo III: o coração num frasco de vidro

não há aulas depois das quatro da tarde e pouca gente gosta de ir para casa antes das seis. benjamim preferia ficar pelo largo do cruzeiro a observar desavergonhadamente a anabela. escrevia compulsivamente no seu caderno de bolso as equações que pensava descreverem a beleza daquela rapariga que se sentava no mesmo banco de jardim - em frente do seu - todas as tardes a desenhar. quando as aulas terminavam, anabela colocava um vazio frasco de compota em cima do muro. todos os dias, esse frasco continha algo diferente para ela desenhar. por vezes eram flores e insectos, outras tantas eram apenas os mais diversos objectos inanimados. o caderno de benjamim era um registo minucioso de tudo o que ela já pousou no muro e desenhou, dentro daquele vazio frasco de compota. o amor é coisa dos pobres, burros e ignorantes! não é e nunca foi algo indicado para alguém com o complexo intelecto de benjamim. é, certamente, o único conceito em todo o universo que nunca entendeu. por essa razão, ia todos os dias descrever matematicamente anabela a desenhar no largo. através das suas cuidadas observações, concluiu estar apaixonado. comparou exaustivamente com o que havia aprendido e pensava ser o amor dos seus pais, vizinhos e colegas da escola. leu os grandes romances da literatura clássica e identificou todos os padrões de sintomas. só faltava conquistar a anabela. quis impressioná-la com o acto que os maiores românticos da história apenas conseguiram sonhar em fazer, sem jamais se terem aproximado de qualquer tipo de sucesso. esses homens que inspiram os de hoje e criam expectativas nas mulheres nunca passaram das palavras nos poemas ou das imagens nas telas. uma semana passou benjamim recluso no seu quarto, envolto nas suas experiências. finalmente conseguiu! os grandes amantes do passado invejá-lo-iam e histórias do seu grande feito de amor seriam contadas e cantadas durante as gerações vindouras. iluminaria todas as paixões futuras! confiante, benjamim regressou ao largo no dia seguinte. dirigiu-se ao banco onde se sentava anabela e pediu-lhe o seu vazio frasco de compota. prometeu trazer-lhe algo maravilhoso, que nunca se vira antes, só para ela desenhar. a rapariga estranhou o peculiar pedido, mas concordou. a sua curiosidade fora espicaçada! que objecto do mundo do fantástico teria benjamim preparado para si? o momento chegou. benjamim pediu que cerrasse os olhos. anabela assim o fez, empolgada com a surpresa. em cima do muro, o seu vazio frasco de compota foi colocado. com a permissão de benjamim, abriu os olhos. empalideceu! o sangue fugiu-lhe da cara, por momentos, antes de ter forças para gritar em terror. assim que retomou controlo dos sentidos, desapareceu a correr. do translúcido frasco escorriam as gotas de sangue de benjamim. estas dançavam em torno do seu coração, que ainda batia vigorosamente e o som característico que emitia "tum-tum, tum-tum, tum-tum". benjamim arrancara-o do próprio peito com tal arte que se manteve palpitante! no lugar que restou entre os pulmões, colocou um substituto biónico - desprovido de emoção humana. talvez seja essa a razão porque benjamim nunca compreendeu a reacção que teve anabela perante a maior declaração de amor a que este mundo alguma vez assistiu. esperava promessas de paixão e devoção eternas, reconhecimento por parte dos demais. foi então, nesse momento, que,  preso naquelas paredes de vidro, desistiu de bater o coração de benjamim. assim surgiu a sua obsessão em desvendar a teoria que rege o amor. a perpétua busca pela solução de uma equação imaginária, que só existia na sua cabeça. os jornais que se seguiram começavam com as manchetes sobre um novo assassino em série que arrancava os corações das vítimas e nada mais.